quarta-feira, agosto 21, 2013

BOLADAS (5)


             

Ao contrário do que julgo ser mais corrente entre pessoas menos jovens desocupadas, ver TV para mim é cada vez menos uma forma útil e recomendada de ocupar tempo. E, entre o fim  dos noticiários da hora do almoço e os do jantar, só um acontecimento inusitado me pode colocar à frente de um  televisor.

Ontem, abri uma excepção. Estava fora de casa um calma abrasadora e, sentindo-me mais fresco no interior da minha habitação, estando ligado o televisor na SIC onde passava um daqueles programas da tarde com audiência garantida nos lares e casas de repouso, como nem zaaping pensei fazer, fiquei por ali. Por momentos, dei alguma atenção à reportagem que estava a passar, onde o protagonista (vim depois a saber) era um miúdo de dez anos de Mondim ( de Basto, presumi), que pastoreava nas férias escolares, sozinho na serra, um rebanho de 120 cabras. Ele, e uma cadelita e um telemóvel para ouvir música.

Não escrevo este post para divulgar a história que a reportagem continha, aliás, com sumo bastante para que me tivesse ligado ao programa. O miúdo demonstrava muito à vontade, era simpático e equilibrado no falar para uma criança do meio rural, transparecia nele o viver em bom ambiente familiar e demonstrava ser inteligente e aplicado na escola. Vai entrar para o 5º ano, dentro de dias.

A surpresa maior veio mais tarde, quando a criança apareceu ao vivo e me apercebi de que tudo não passava de uma encenação de publicidade encapotada. Com efeito, os promotores do programa, obtiveram o assentimento dos pais para o menino de Mondim se deslocar aos estúdios, onde lhe foram feitas perguntas sobre visitas que lhe haviam proporcionado a vários locais de Lisboa, a uma grande superfície e ao mar (não se lembraram do Jardim Zoológico, mas andaram lá perto com verão a seguir). Disse que o que mais o impressionou foi o mar, as ondas, a imensidão das águas. Natural, num jovem de Mondim, em pleno Portugal profundo. Adorei a simplicidade e espontaneidade com  que manifestou a sua paixão e desejo-sonho tornado realidade.

O que veio a seguir é o escabroso do propósito que pareceu estar na base do passeio . Tendo-lhe sido perguntado, no decorrer da reportagem na aldeia, qual o clube de que gostava, o mondinense disse que era o Benfica. Tudo bem, em algum lado deverão estar os tais seis milhões que se apregoam. Mas o que a mim mais evidente se tornou foi toda a enfática descrição e o tempo dado à visita guiada às instalações do Estádio da Luz, que incluiu a entrada no relvado, uma montagem onde se mostra uma águia, e uma passagem pelos  balneários para ver as camisolas da equipa principal. -E o jogador que de que mais gostas?, perguntaram-lhe: -Cardozo, foi a resposta.

Voltando à transmissão no estúdio, o Benfica continua a ser o tema explorado. Gostaste? Sim, responde o puto. -Então, ainda vais ter outra surpresa: uma camisola do Cardozo. Estás contente? Sim.

Ainda antes de me levantar com o estômago a obrigar-me a ir urgentemente à retrete, ainda vi uns embrulhos com um ror de nem sei de quê lá dentro, um carrinho com um castelo de livros e material escolar que dariam para uma turma inteira durante todo o ano lectivo, e, já me escapava, um par de óculos para o ingénuo convidado poder ver em Mondim filmes em três dimensões...

2 comentários:

  1. não sirva este comentário para tirar o brilho a esta linda prosa só que Mondim de basto fica em Trás-os-Montes cumprimentos portista Manuel Coelho

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  2. Manuel Coelho:

    Tem toda a razão. Baralhei Cabeceiras com Mondim. Não pretendo branquear a "gafe" (já corrigida), mas, para o fim que pretendia, Minho ou Trás-os-Montes não fazem muita diferença.

    Muito grato pela sua correcção.

    Remígio Costa.

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