quarta-feira, março 24, 2010

SAPUNARULK

Hulk e Sapunaru (foto ASF)
Conselho de Justiça altera castigos de Hulk e Sapunaru
(há pouco divulgado on-line)

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 "Sapunarulk", elegia pela justiça e proporcionalidade perdidas
Por Manuel da Costa Andrade

1. Positivamente, Hamlet tinha razão: há mesmo mais coisas, muito mais coisas, no céu e na terra do que nós podemos sonhar na nossa filosofia. Quem poderia ter antecipado nas suas locubrações filosóficas a possibilidade de ver um dia o que, entre o espanto e a galhofa, a generosa prodigalidade da Comissão Disciplinar (CD) da Liga Portuguesa de Futebol acaba de nos oferecer? O espectáculo de um Julgador que vem anunciar a sentença, proclamando que a profere e subscreve, embora consciente da sua injustiça e desproporcionalidade. E, por causa disso, inconstitucional, certo como é que o princípio de proporcionalidade configura, por imperativo constitucional, um axioma irredutível de toda a lei, ergo de toda a sentença. Dito noutros termos, a proporcionalidade configura uma dimensão ou categoria transcendental de todo o direito, maxime do direito sancionatório, punitivo e repressivo, que, de forma mais drástica, se projecta em compressão dos direitos fundamentais.
Manifestamente, não é fácil descortinar o que mais admirar nesta CD: se a monstruosidade - por injustiça e desproporcionalidade - da decisão; se o quadro cénico com que foi servida. Com o seu criador a desdobrar-se num arremedo de Jano. Com um rosto banhado de narcisismo e inebriado pela felicidade de mais um momentoso momento de "justiça desportiva"; e, com outro rosto, vestido de amofinada carpideira a riscar o ar com os gritos de quem sente na alma os golpes da injustiça e desproporcionalidade.

Numa primeira observação, importa sublinhar que a injustiça e a desproporcionalidade não decorrem da lei - concretamente do Regulamento Disciplinar da Liga -, devendo levar-se exclusivamente à conta do seu intérprete. Não estão na
law in book, resultam da law in action, isto é, são obra do arbítrio de quem lê, treslê e aplica a lei. Em boa verdade, a lei não impõe, sequer sugere, que seguranças privados sejam "intervenientes no jogo": nem faria sentido que o dissesse, já que eles não intervêm no jogo, na diversidade de planos, funções e papéis em que este se desdobra. Os seguranças privados não integram o universo daqueles que contribuem para a densidade agónica própria da competição desportiva no contexto da sociedade moderna, em relação à qual cumpre insupríveis e relevantes funções e serviços: desde uma função de catarse e evasão, até uma função de identidade, coesão e memória comuns. O "interveniente no jogo" mantém uma relação dinâmica de interacção, física ou simbólica, de cumplicidade ou de conflitualidade, com os "outros significantes" do jogo: companheiros de equipa, adversários, árbitro, treinador, banco, etc. No mais generoso dos limites, pode falar-se de interacção simbólica com o público e, sobretudo, com as "claques".

O catálogo poderia alongar-se. Mas será forçoso parar. E parar a partir do momento em que, à margem de toda a dúvida, deixa de subsistir aquela teia de relação e interacção. Como sucede com os seguranças privados de um clube. Que, no contexto do jogo, não interagem nem física nem simbolicamente com os outros "intervenientes". Em definitivo, eles não pertencem - nem como protagonistas, nem como actores secundários, nem sequer como figurantes anónimos - ao drama do jogo, a que são inteiramente alheios. Pela mesma razão que os seguranças do hospital não são "intervenientes no acto médico"; como os seguranças da CD (se os há) não são - sorte a deles! - "intervenientes nos seus desvarios justiceiros".

Sendo claro que a lei não impõe a classificação dos seguranças como "intervenientes no jogo",
quid inde se, apesar de tudo, a mesma lei deixasse subsistir alguma sombra de dúvida? Ela só poderia ser superada a favor da interpretação mais restritiva, a única consonante com a justiça e a proporcionalidade. Isto, em consonância com os desígnios de fundo da própria Constituição em matéria de processos sancionatórios. Mesmo que para tanto fosse indispensável lançar mão de mecanismos de interpretação e aplicação restritivas da lei. Para lograr uma interpretação consonante com as exigências de proporcionalidade.

Não é no quadro normativo, global e sistematicamente considerado, ao dispor da CD, que radicam as razões da injustiça e da desproporcionalidade. Também não podem buscar-se em limitações ou deficiências de cariz intelectual da mesma CD, certo como é que ela não deixa de representar, anunciar e denunciar a injustiça e a desproporcionalidade. Só podem imputar-se a deficiências ou vícios da vontade. A CD decidiu assim porque quis. Sabia que proferia uma decisão injusta e desproporcionada, e foi isso que dolosamente fez.

Podia ao menos poupar a cena lastimável daquele espectáculo de derramar lágrimas de proporcionalidade sobre a desproporcionalidade da sua criatura. Depois de tripudiar sobre a lei e as virtualidades de justiça e de proporcionalidade que a mesma lei alberga na sua letra, no seu espírito, no seu sistema e no seu horizonte constitucional, restava o gesto digno de ser autêntica e crescidinha. E querer o que verdadeiramente queria. Silenciando os indecorosos clamores de carpideira menor.

Um silêncio que teria uma vantagem inestimável. Não acordaria o panglóssico presidente da Liga do seu sonho de acreditar que deixa atrás de si um futebol credibilizado. Um dia esse sonho há-de converter-se em pesadelo. Será no dia em que as intempéries vindas dos tribunais desabarem sobre as primícias acrisoladas da credibilização devidas à sua CD. Até lá, há direito ao sonho. De mais a mais, quando o pesadelo chegar, já lá estarão outros a enfrentá-lo.
Professor da Fac. de Direito de Coimbra, sócio da Académica e simpatizante do FC Porto
in Público de 2010.03.04 
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    Impossível deixar de publicar, na íntegra, o douto entendimento do Professor Manuel Costa Andrade, relativo aos castigos aplicados aos atletas do Futebol Clube do Porto Hulk e Sapunaru, na sequência do embuste do "túnel das trevas" ocorrido após o encontro disputado entre o SLB e os Dragões, na capital do Império.
     Fosse eu juiz neste processo e o autoproclamado infalível justiceiro que o show off da divulgação da sentença confeccionada na Liga Profissional de Futebol Profissional produziu em directo na tv, confrontado mais uma vez com a rejeição dos meus tão sapientíssimos e elaboradíssimos veredictos, enquadradíssimos na letra dos articulados da lei, lida, relida e trelida, de trás para a frente, da frente para trás, de esguelha e de pernas para o ar e acabasse por ter que enfrentar o opróbrio de mais uma humilhante desautorização, PORQUE TERIA VERGONHA NA CARA, IRIA PEDIR TRABALHO NAS OBRAS!

ÚLTIMA HORA:

Reduzidos os castigos a Hulk e Sapunaru

15h39m

Vítor Santos *
O Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol decidiu hoje, quarta-feira, alterar os castigos aos jogadores do F.C. Porto Hulk e Sapunaru, para três e quatro jogos, respectivamente, na sequência dos incidentes no túnel do estádio da Luz.

Surpreendidos? Eu, não!





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