Há adeptos de clubes de futebol que fazem questão da afirmar que o são desde que nasceram. Frequentemente, ouvem-se pais a declarar com jactância e elevada presunção, que, no dia do nascimento de um filho a primeira atitude tomada foi a de ir inscrevê-lo como sócio do clube de que são apaniguados. Não lhes concederam o direito de escolha, foi-lhes imposta a militância sem direito a opção.
Não é, felizmente, o meu caso. Ser adepto do Futebol Clube do Porto foi, para mim, uma decisão assumida livre e voluntariamente ainda antes da matrícula no ensino escolar.
Diluíram-se na memória do tempo os motivos exatos que influenciaram a minha imberbe escolha clubista. Não nasci num ambiente familiar de fervorosos apaixonados pelo futebol, nem me recordo de alguma vez ter ouvido falar em família deste desporto, nem tenho lembranças de algum dos meus parentes próximos ser seguidor de um dos clubes mais relevantes de então. A tantos anos de distância apenas admito que a relação de alguma proximidade que em determinado momento da minha juventude mantive com o meu amigo Rogério Agra, quatro anos a mais na idade, tenha contribuído para acender em mim a chama do Clube da Invicta cidade do Porto.
O Rogério, na pujança da juventude, era para mim, um furacão em movimento. Fazia corridas em bicicleta, possuía motorizada (Saches) antes de poder conduzir viatura própria, participava em algumas provas não oficiais, jogava e falava muito de futebol e, muito frequentemente, do Futebol Clube do Porto; sem surpresa já que o pai, José Martins Agra e o tio José Pereira Agra (Zé Gordo), assistiam a jogos em que o FC do Porto intervinha, tanto no Porto como em Braga, e havia assunto substancial para discussões e conversas. Conforme o sucesso do resultado era certo que o FCPorto era para todos o assunto mais abordado e que eu ouvia com mais interesse; em tempos mais recentes, já adulto, criou laços de amizade com grande parte dos elementos do plantel portista, destacadamente com Carlos Vieira e Hernâni e de Mestre Pedroto, alguns dos quais se tornaram visitas habituais de família principalmente o extremo de Oliveirinha (Aveiro) Carlos Vieira.
Acima de qualquer outro fator que pudesse ter influenciado a minha escolha nenhum foi mais relevante do que a beleza figurativa e simbólica do distintivo, bem como o recorte e as cores do equipamento oficial constituído por camisola com duas listas verticais azuis com o símbolo sobre o lado do coração, calção da mesma cor e meias brancas. Irresistível!
Antes de saborear a vitória no campeonato de 1955/56, depois de ter atravessado o seco deserto de dezanove anos sem um trago de água para matar a sede de triunfos relevantes, o primeiro jogo do Futebol Clube do Porto a que tinha assistido, ao vivo, foi o da inauguração do estádio das Antas em 28 de maio de 1952, tinha eu 15 anos. (Nota: participei na campanha de angariação de fundos organizada por uma Comissão para o levantamento da obra, vendendo dois maços de bilhetes para um sorteio com 50 bilhetes cada um). O desastre da derrota por 2-8 não perturbou em nada a minha alegria de ter estado lá, naquele momento histórico, em pisar a relva no fim, reter na vista um cenário incrível de mais de cinquenta mil pessoas a encher o magnífico anfiteatro e a porta da maratona do lado nascente, junto dos meus pais que haviam cedido às minhas insistentes solicitações para integrarem numa excursão em camioneta de passageiros da Auto-Viação Cura.
No ano de 1958, então em Caxias a cumprir serviço militar obrigatório, assisti no estádio nacional de Oeiras à conquista de uma Taça de Portugal do meu clube, pelo resultado de 1-0 com um golaço do maravilhoso e saudoso jogador Hernâni, um dos meus primeiros ídolos da bola.
Longe dos centros onde se desenrolava a atividade desportiva do futebol competitivo e o desporto em geral, sobretudo o Hoquei em patins muito em voga, era difundido na aldeia onde vivia e ainda resido através dos relatos na rádio ou das páginas de jornais e revistas que comprava a um moço, o Levinho, vindo de Ponte de Lima; o Norte Desportivo, editado na cidade do Porto, o Mundo Desportivo, a A Bola, o Jornal de Notícias, a revista Stadium, designadamente, o Mundo da Aventuras para coleccionar a estampa em A-4 de jogadores em meio corpo, e ouvir os comentários de Tavares da Silva na EN à uma hora das segundas-feiras, trocar as fotos dos jogadores para preencher as cadernetas da Panini, etecetera, alimentava a minha paixão. Nos relatos, eram Quadrios Raposo, Artur Agostinho, Amadeu José de Freitas (?), Alves dos Santos, António Ribeiro Cristóvão, Fialho Gouveia, Carlos Cruz, todos a partir das rádios alfacinhas, de cima abaixo isentos e imparciais, sérios e cumpridores do estatuto de jornalistas, que eu então jamais poria em causa, tudo acontecia como me chegava aos ouvidos. Mais recentemente, o melhor de todos: Gomes Amaro, da Rádio "Quadrante Norte", que fazia conjuntamente com João Veríssimo (já falecido), os relatos do FC do Porto e que conheci pessoalmente em Coimbra tendo ele permitido que estivesse na cabine de som num Académica-Porto de carater particular na estreia do jovem central Fernando Couto. Gomes Amaro tinha um estilo próprio de descrever as emoções do que se passava na partida numa voz inconfundível com sotaque brasileiro, era preciso e conciso nas análises e honesto nas avaliações. Julgo que reside atualmente, com idade avançada e já desligado da rádio, na cidade de Vila Nova de Gaia. Lembro-o com saudade. Já não há muita gente desta estirpe nos canais que emitem a partir de Lisboa, e os programas sobre o apelidado desporto-rei que produzem são na generalidade púlpito para comentadores capturados, cartilheiros a soldo e ídolos decadentes a recibo verde.
Com o Presidente Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa e o Mestre José Maria de Carvalho Pedroto, o Futebol Clube do Porto cresceu e converteu-se num baluarte de Portugal e da Região norte, conhecido e respeitado externamente. Tive a felicidade de viver esta Era de êxitos descomunais do Clube do Dragão da "mui nobre, sempre leal e invicta cidade do Porto", cada vez mais bela e acolhedora, o qual quebrou com estrondo a partir da Revolução de Abril a hegemonia do acrónimo BSB dos clubes sediados na "capital do império". Tive o privilégio, a oportunidade irrepetível de estar em Viena de Áustria em 27 de Maio de 1987, à data designado como estádio do Prater, na conquista da primeira Taça da Liga dos Campeões, vendo a equipa do meu coração abater o colosso bávaro Bayern de Munique, por 2-1, com golos do mágico Rabath Madjer e o endiabrado velocista brasileiro Juary Santos. O êxito coletivo alcançado desde então, vividos ou passado a cores nas televisões mundiais, contabilizando troféus internos e internacionais de vulto que ornamentam o atual espetacular museu do maravilhoso Estádio do Dragão, fez do Presidente Pinto da Costa um alvo a abater pelos media da corte invejosa e decadente, frustrada e incapaz de reconhecer o mérito da competência e do sucesso.
Hoje, no ocaso da minha vida terrena sei, convictamente, que a minha opção não poderia ter sido melhor. Sou, pois, adepto assumido de um Clube especial, único, o Futebol Clube do Porto, que foi, é, e será a minha paixão sentimental, a bandeira com a qual me identifico e seguirei até aos últimos dias da minha existência.
Sou Portista, sou do Norte, sou Português!
Aleluia! Daqui houve nome Portugal
Dúvida? Não, mas luz, realidade,
e sonho que na luta amadurece:
o de tornar maior esta cidade
eis o desejo que traduz a prece.
Só quem não sente
o ardor da juventude
poderá vê-la de olhos descuidados,
Porto - Palavra Exacta, nunca ilude
renasce nela a ala dos namorados.
Deram tudo por nós esses atletas
seu trajo tem a cor das próprias veias
e a brancura das asas dos poetas
ó fé de que andam nossas almas cheias
não há derrotas quando é firme o passo
ninguém fala em perder, ninguém recua
e a mocidade invicta em cada abraço,
a si mais nos estreita: a pátria é sua!
E de hora a hora cresce o baluarte
vejo a torre dos clérigos ás vezes
um anjo dá sinal quando ele parte
são sempre heróis, são sempre portugueses
e Azul e Branca essa bandeira avança
azul, branca indomável, imortal
como não por no porto uma esperança
se "daqui houve nome Portugal"?
Autor: Pedro Homem de Melo (1904-1984)
Foto: doLethes
Remígio Costa
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